Crítica – A Bela e a Fera (2017)

A Bela e a Fera é um longa com um valor de produção altíssimo, encanta a todos com uma história já conhecida, mas que nem por isso deixa de ser emocionante e relevante ainda nos dias atuais.9 min


[SEM SPOILERS]

Sinopse: Para reverter uma maldição a qual foi vítima a Fera (Dan Stevens) precisa fazer com que alguém o ame de verdade, contando com a ajuda de seus antigos funcionários, agora transformados em objetos, Lumiére (Ewan McGregor), Horloge (Ian McKellen) e Madame Samovar (Emma Thompson). O destino da Fera se cruza com o de Maurice (Kevin Kline), um inventor excêntrico que possui uma filha chamada Bela (Emma Watson). Para proteger seu pai, Bela se torna prisioneira da Fera, fazendo florescer uma amizade com potencial para se tornar algo maior, para o desgosto de Gaston (Luke Evans) que, com a ajuda de Le Fou (Josh Gad), pretende se casar com Bela.

É difícil para o público em geral perceber a importância que A Bela e a Fera (1991) teve para a história da Disney. Após a morte de Walt Disney (1901-1966) o estúdio enfrentou cerca de duas décadas de estagnação criativa. Seus longas animados durante esse período não atingiram o sucesso e o apelo de outros como A Branca de Neve (1937), Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959) e muito duvidou-se do que seria a Disney sem o seu fundador. Após uma reformulação interna e a inserção de novos talentos no seu quadro de funcionários a casa do Mickey iniciou sua segunda Era de Ouro. O filme que iniciou esta nova fase foi A Pequena Sereia que se tornou a nona maior bilheteria de 1989, além de ganhar os Oscars de Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Canção Original. A consagração da Walt Disney Animation Studios veio justamente com A Bela e a Fera dois anos depois. O longa, a terceira maior bilheteria de 1991, também ganhou os Oscars de Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Canção Original, mas o seu maior feito foi ser um dos cinco indicados na categoria de Melhor Filme, algo inédito para uma animação até então e algo que só seria repetido em 2010 com a indicação de Up – Altas Aventuras (2009), mas já no novo formato de ser possível a indicação de cinco a dez longas para a categoria principal. E era mais do que merecido. A Bela e a Fera (1991) contava com uma história relevante, adaptada do conto de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, com uma técnica de animação primorosa e uma trilha sonora absolutamente espetacular. Era questão de tempo para a Disney colocar na sua linha de produção de adaptações em live action de suas animações o longa de 1991, ainda mais depois do sucesso de Cinderela (2015), que arrecadou mundialmente US$ 544,0 Milhões, e Mogli – O Menino Lobo (2016), com uma arrecadação mundial de US$ 967,0 Milhões. E a escolha foi acertada. Praticamente qualquer animação da Disney da década de 90 que fosse adaptada para live action geraria um hype enorme. E com aquela que deve ser a melhor ou a segunda melhor animação daquela década o sucesso já era garantido antes mesmo da estreia.

Para comandar esta garantida, porém gigantesca em escala, empreitada a Disney contratou o veterano diretor americano Bill Condon que tem um dos currículos mais irregulares de Hollywood na atualidade. Ao mesmo tempo que Condon dirigiu o bom Dreamgirls – Em Busca de um Sonho (2006), ganhador de dois Oscars, dirigiu as duas partes de A Saga Crepúsculo – Amanhecer (2011 e 2012), dois filmes ruins. Mas neste A Bela e a Fera o diretor faz aquilo que se espera dele: adapta basicamente ao pé da letra a animação original. Ou seja, Condon estava pisando em terreno sólido e sabia que não precisava inventar a roda novamente, apenas adaptar tudo aquilo que fez do longa de 1991 tão memorável. E nisso o diretor se sai muito bem. Este filme é basicamente uma cópia do original. E isso é ruim? Não, até porque os trailers já deixavam isso bem claro. Por isso boa parte das críticas negativas que o filme tem recebido são injustificadas. Em nenhum momento o filme foi vendido como uma continuação, um reboot ou uma reimaginação. A Disney sempre foi clara ao evidenciar que é uma adaptação em live action. Quem nutriu uma expectativa de ver algo diferente disto nutriu por iniciativa própria, já que em nenhum momento o filme foi vendido como algo diferente do que aquilo que foi entregue.

Meu primeiro receio ao analisar previamente este longa surgiu ao ver a sua duração: 129 minutos. A longa duração me espantou de início. Se este longa contaria a mesma história do original e este último conta com apenas 85 minutos de duração o que justificaria esta diferença de minutagem? E a resposta é satisfatória. O roteiro deste novo A Bela e a Fera se esforça para dar contextualização à história e um passado aos personagens. É algo surpreendente porque, na verdade, o espectador não sente falta disso no filme original. O espectador precisava destas informações, mas não sabia disso. Isto acaba enriquecendo a história ainda mais. Ficamos sabendo sobre o que houve com a mãe de Bela, o que Gaston fazia antes dos acontecimentos do longa, a maneira como o príncipe se portava antes de ser transformado na Fera e alguns vínculos afetivos entre os objetos do castelo e habitantes da vila de Bela. Algumas novas músicas também são inseridas e, embora nenhuma chegue aos pés daquelas icônicas do longa original, algumas são interessantes pelo contexto como “Days in the Sun” que se trata de uma canção em que os objetos do castelo lembram de seu passado como humanos e do quanto esperam voltar às suas velhas formas. Além destas novas inserções, o resto da história é exatamente igual ao filme de 1991, com diálogos e sequências exatamente iguais, mudando apenas um ou outro acontecimento, mas que acabam culminando nas mesmas situações anteriormente vistas. A história da animação original já era perfeita, redonda e objetiva e estas características se mantém nesta adaptação. Há alguns problemas pontuais, como a distância entre o castelo e a vila aumentar ou diminuir de acordo com a necessidade do roteiro ou mesmo a bruxa que amaldiçoa o príncipe ter uma participação um pouco maior na narrativa, mas sem nenhuma necessidade. A caracterização dos objetivos do castelo é muito realista, mas ficam faltando alguns traços mais caricaturais para dar mais personalidade a eles.

Uma das grandes surpresas desta nova versão é a inserção de dois personagens claramente homossexuais na narrativa. Era algo impensável há alguns anos atrás para a sempre conservadora Disney. Obviamente que as insinuações são discretas, mas já é um passo e tanto para uma empresa que cada vez mais dá espaço a setores da sociedade que antes eram deixados à margem. Seja com Rey sendo a protagonista da nova trilogia de Star Wars (2015, 2017 e 2019), Elsa sendo a figura majestosa e poderosa que é em Frozen – Uma Aventura Congelante (2013) ou estes dois personagens homossexuais neste A Bela e a Fera a verdade é que a Disney está em sintonia com as mudanças que estão ocorrendo na sociedade contemporânea e está, no seu ritmo, contemplando todos em seus produtos para as mais diversas mídias.

Tecnicamente o filme é quase perfeito. Possivelmente será um dos filmes mais bonitos que veremos este ano e será indicado a alguns prêmios técnicos no Oscar de 2018. Vamos começar pelo o que funciona menos, digamos assim. Os efeitos especiais são perfeitos na criação dos objetos dos castelos. Suas animações são primorosas e a sequência musical “Be Our Guest” é única de tão bela e sua execução é irrepreensível. Infelizmente na criação da Fera os efeitos especiais são menos perfeitos. O andar do personagem é estranho em alguns momentos, sua pelagem não é muito natural e seu rosto é problemático. Embora o rosto tenha sido concebido a partir da captura de movimentos do ator Dan Stevens fica a dúvida se fazê-lo através de maquiagem não teria sido uma escolha melhor. A impressão que passa é que diminuiria a artificialidade. Não é algo que compromete a qualidade do filme, longe disso. Mas incomoda quem é mais crítico e detalhista. A fotografia do longa é lindíssima e consegue contrastar com eficiência a alegre e iluminada vila com o escuro e melancólico castelo, além de evidenciar as características peculiares da floresta que separa os dois lugares. A maquiagem e figurino são soberbos, aumentando ainda mais a imersão do espectador no filme. Embora o vestido da Bela de Emma Watson seja menos suntuoso que aquele visto no longa de 1991, ele é mais plausível para aquele mundo apresentado. O design de produção é de um capricho que salta aos olhos. Tudo é recriado com tanto esmero que o espectador se sente feliz apenas por estar ali apreciando o que se passa na telona. É uma recriação de mundo riquíssima e hipnotizante. A trilha sonora é basicamente a mesma do filme de 1991 e isso é ótimo, já que suas qualidades são ímpares. Cada música apresentada é uma viagem ao passado e trás emoções que estavam guardadas em algum lugar dentro de nós. E o poder que elas possuem é facilmente perceptível quando algumas notas de “Beauty and the Beast” são tocadas em uma sequência que não é a da dança e é possível escutar suspiros dentro da sala de cinema. É algo mágico. É a Disney fazendo o que ela sabe fazer de melhor: colocar um pouco de magia no nosso mundo.

O elenco foi escolhido a dedo. Emma Watson é a escolha perfeita para Bela. Além da atriz ter evoluído em relação à interpretação desde a franquia Harry Potter (2001-2011), Emma é uma personalidade engajada em causas feministas, o que acaba combinando perfeitamente com Bela. A personagem é a diferente da vila, gosta de leitura, é espirituosa, não coloca homens em sua vida como prioridade e é independente. A própria Bela da animação de 1991 já era assim. Mas neste longa ter Emma Watson no papel da personagem potencializa tudo o que Bela tem de ser à frente do seu tempo. Emma continua com alguns vícios de interpretação, mas já melhoraram muito com os anos. Aqui a atriz não chega a ter uma interpretação irretocável como a que teve em As Vantagens de Ser Invisível (2012), mas também não decepciona. Canta bem, é voluntariosa e parece estar à vontade no papel. Dan Stevens é prejudicado pela computação gráfica que dá vida à Fera, até mesmo a sua voz foi alterada para parecer mais selvagem, mas quando conseguimos perceber que tem um ator embaixo de tudo aquilo é possível vê-lo se esforçando e se entregando ao personagem. Luke Evans está ótimo como Gaston, fazendo-o ser ainda mais detestável que aquele presente na animação original. Além do seu porte físico o favorecer, o ator consegue colocar uma certa instabilidade psicológica que fica mais evidente conforme as coisas começam a sair do seu controle. E seu voluntarismo nas sequências musicais chama a atenção por não ser algo que estamos normalmente acostumados a vê-lo fazendo. Josh Gad é a grata surpresa do longa. Normalmente interpretando o mesmo papel em diversos filmes (o gordinho, virgem e nerd que não se dá bem com as mulheres) o ator estava ameaçado de ser conhecido como música de uma nota só. Mas aqui ele funciona perfeitamente bem como o braço direito de Gaston e o roteiro ainda consegue dar mais nuances ao personagem, fazendo-o mais humano. E o ator consegue roubar cada cena em que seu personagem demonstra seus sentimentos por Gaston. Kevin Kline interpreta um Maurice menos excêntrico e mais focado, mas com o mesmo amor pela filha. O roteiro também favorece o personagem mostrando acontecimentos de seu passado que moldaram sua vida e justificam algumas de suas decisões. O ator está discreto no papel, mas é um papel discreto e isso evidencia a qualidade da interpretação de Kline. O elenco que dubla os objetos não é menos sensacional. Ewan McGregor coloca toda a sua experiência de canto obtida em Moulin Rouge! – Amor em Vermelho (2001) e interpreta Lumiére de maneira irresistível, sempre com seu sotaque francês em evidência. É uma dublagem divertida, enérgica e que combina bastante com o candelabro que tem certa malandragem que cativa. Ian McKellen também faz um ótimo trabalho de voz como o relógio Horloge. Sua voz imponente, misturada a um mau humor constante entrega um personagem que é basicamente um burocrata do castelo, sempre querendo agradar seu chefe. E há uma fala em especial do personagem que, se ouvida na versão legendada, irá fazer todo o fã da trilogia O Senhor dos Anéis (2001, 2002 e 2003) sentir uma sensação de familiaridade. Emma Thompson está ótima como a voz de Madame Samovar, conseguindo transmitir toda a ternura, a esperança e a compreensão que apenas uma mãe pode sentir. E sua interpretação na sequência musical de “Beauty and the Beast” é simplesmente soberba.

A Bela e a Fera é um longa com um valor de produção altíssimo, encanta a todos com uma história já conhecida, mas que nem por isso deixa de ser emocionante e relevante ainda nos dias atuais. Sua trilha sonora continua perfeita e faz com que a emoção transmitida seja palpável. Deve facilmente ultrapassar a marca de US$ 1,0 bilhão arrecadado mundialmente, consolidando estas novas adaptações de animações da Disney em live actions. A expectativa fica para como será a adaptação de O Rei Leão (1994), ainda sem data de estreia definida. Se este A Bela e a Fera que é um filme de princesa em sua essência e que, supostamente, não atinge todos os públicos já gerou comoção a cada imagem ou trailer divulgado, o que esperar da animação de maior sucesso da Disney e que tem um apelo muito mais universal e um potencial de atrair muito mais público?

NOTA: 9,0

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=yzHuQPgO3Gs[/youtube]

INFORMAÇÕES
Título: A Bela e a Fera (Beauty and the Beast)
Direção: Bill Condon
Duração: 129 Minutos
Lançamento: Março de 2017
Elenco: Emma Watson, Dan Stevens, Luke Evans, Josh Gad, Kevin Kline, Ewan McGregor, Ian McKellen e Emma Thompson.


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Derek Moraes

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