Crítica – Star Trek (2009)

Star Trek ganha uma nova roupagem nas mãos do talentoso J. J. Abrams e consegue se apresentar à nova geração de maneira convincente com uma história empolgante e elenco perfeitamente escolhido.7 min


[SEM SPOILERS]

Sinopse: Após a chegada de uma nave romulana comandada por Nero (Eric Bana) através de uma um buraco no espaço-tempo, estranhos acontecimentos deixam a Frota Estelar em estado de alerta. Um pedido de socorro do planeta Vulcano faz com que todas as naves da frota se dirijam ao planeta, incluindo a USS Enterprise comandada pelo capitão Pike (Bruce Greenwood). Uma série de encontros e desencontros fará com que Kirk (Chris Pine), Spock (Zachary Quinto), McCoy (Karl Urban), Uhura (Zoe Saldana), Scotty (Simon Pegg), Chekov (Anton Yelchin) e Sulu (John Cho) também se conheçam e precisem lidar com suas diferenças para formar a tripulação clássica da Enterprise e deter a ameaça romulana.

Não é fácil encontrar um reboot que tenha tido sucesso em seu principal objetivo: apresentar o produto em questão, reformulado, a uma nova geração com tamanha qualidade que o produto original seja homenageado de maneira justa. Com este Star Trek todos os reacionários que são, muitas vezes de maneira correta, contra reboots são calados. O visionário diretor J. J. Abrams consegue a proeza de entregar um material tão rico e, ao mesmo tempo, tão moderno que só realça as qualidades do próprio material original.

Star Trek, ou Jornada nas Estrelas para nós brasileiros, inicialmente foi uma série de TV americana que ficou no ar entre 1966 e 1969, possuindo três temporadas e 79 episódios. Não teve uma vida muito longa devido aos insatisfatórios índices de audiência. Com o passar dos anos Star Trek sofreu um fenômeno típico de produtos de nicho: se proliferou na comunidade nerd e adquiriu status de idolatria. Durante muitos anos o criador da série Gene Roddenberry tentou emplacar um filme sobre Star Trek nas telonas, mas não encontrou os estúdios de Hollywood muito dispostos a produzir uma ficção científica que já não havia tido sucesso na televisão. Mas em 1977 a história mudou com a estreia de Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança, que transformou o cinema e o resto é história. Todos os estúdios procuraram novas ficções científicas para serem os ‘novos’ Star Wars e, finalmente, Gene Roddenberry conseguiu com que Jornada nas Estrelas – O Filme fosse produzido, filmado e lançado em 1979 com o retorno de todo o elenco principal da série de televisão. Este primeiro filme é ruim, com uma história fraca, um ritmo absurdamente lento e que nem o ótimo elenco consegue salvar, mas rendeu o suficiente para que a Paramount achasse válido realizar uma continuação. Ao todo, a tripulação original da USS Enterprise protagonizou outros cinco filmes: o excelente Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan (1982), o bom Jornada nas Estrelas III – À Procura de Spock (1984), o também excelente Jornada nas Estrelas IV – De Volta para Casa (1986), o regular Jornada nas Estrelas V – A Última Fronteira (1989) e o também bom Jornada nas Estrelas VI – A Terra Desconhecida (1991). Depois do sexto filme ainda houve mais outros quatro, porém utilizando-se do elenco da nova série de TV Jornada nas Estrelas – A Nova Geração (1987-1994). Os fãs sentiam saudades do Capitão Kirk e seus clássicos comandados e a vontade crescente de apresentar a franquia original para uma nova geração fizeram com que o reboot recebesse sinal verde da Paramount sob o comando de J. J. Abrams.

O diretor americano, conhecido na época pelo sucessos de séries como Alias – Codinome Perigo (2001-2006) e Lost (2004-2010) e filmes como Missão Impossível III (2006), pega a franquia Star Trek e lhe dá um banho de loja. Todas as características de J. J. estão em Star Trek, desde o coeso e bem escolhido elenco, passando pelo ritmo dinâmico da narrativa e terminando em seus controverso flares, aquelas luzes que aparecem na tela aparentemente sem função alguma. O humor e o otimismo, sempre presente na franquia, continuam presentes na história, evidenciando a leveza que Star Trek trás consigo.

A história é repleta de acertos, como, pela primeira vez no cânone, mostrar a formação da tripulação original da Enterprise. Como cada um dos sete protagonistas de Star Trek (Kirk, Spock, McCoy, Sulu, Uhura, Scotty e Chekov) chegaram à ponte da nave, já que ninguém supôs que todos já começaram suas carreiras como oficiais de alta patente, né? Os focos da narrativa são Kirk e Spock, inclusive mostrando pedaços da infância dos dois o que já mostra indícios de suas características mais marcantes, mas, principalmente, o foco é como a amizade entre os dois se inicia e amadurece. A principal sacada de J. J. e dos roteiristas do filme já é mostrado na primeira sequência, em que uma nave romulana atravesse um buraco no espaço-tempo e chega à realidade em que George Kirk, futuro pai do famoso James Kirk, é primeiro oficial da USS Kelvin. A chegada dos romulanos altera toda aquela realidade, ou seja, tudo aquilo mostrado na série de TV e nos seus primeiros seis filmes da franquia não necessariamente irá acontecer, dando carta branca para J. J. e sua equipe, fazendo com que os mesmos não fiquem presos ao cânone estabelecido durante mais de quarenta anos. Nada como uma viagem no tempo para resolver as coisas. Utilizar os romulanos como antagonistas dá uma folga aos klingons que é a espécie mais utilizada para essa função. Deixar os fãs de longa data da franquia confortáveis com o novo através de referências e personagens da série clássica funciona para uma parcela mais receosa do público. Utilizar viagens no tempo, buracos negros e substâncias com propriedades diversas não deixa escapar a essência de Star Trek que é a ficção científica.

O filme ainda é inteligente ao agraciar os fãs mais velhos de Star Trek com informações e situações que enriquecem a mitologia da franquia como, pela primeira vez, divulgar o primeiro nome de Uhura e mostrar o famoso teste Kobayashi Maru, no qual Kirk foi o único cadete a ser aprovado através de métodos, digamos, desonestos. Mostrar o pai de Kirk, interpretado por um ainda desconhecido Chris ‘Thor’ Hemsworth, em ação funciona para evidenciar o respeito e o carinho que todos demonstram por ele, além de ajudar a entender a origem das habilidades do capitão da Enterprise.

Pouca coisa não funciona em Star Trek e talvez o que mais chame atenção seja o vilão romulano Nero. Embora suas motivações e seu rancor sejam justificados ao longo do filme, o personagem só é acionado quando precisa lidar com a tripulação da Enterprise, faltando mais desenvolvimento, fazendo com que sua única face mostrada seja a de raiva e agressividade, dando um perfil unidimensional a Nero.

Tecnicamente o filme é impecável. Os efeitos especiais são perfeitos e utilizados a favor da narrativa, com moderação e não chamando mais atenção do que a história que está sendo contada. O design de produção é riquíssimo, criando ambientes belos que aumentam o valor do filme. A escola de Vulcano, a base inóspita na qual Scotty é primeiramente encontrado, o interior da nave romulana são alguns destaques. Mas a principal recriação da equipe de design de produção é a Enterprise e seu interior, evidenciando a condição de nave mais nova e moderna da Frota Estelar, com ambientes claros, tecnológicos, passando uma sensação de limpeza perceptível. A fotografia é discreta, mas chama a atenção em muitos momentos no espaço e também quando é mostrada a superfície de Vulcano. A trilha sonora é marcante, principalmente por criar um novo tema enérgico e empolgante que transmite bem o espírito do filme e utilizando o tema clássico apenas nos créditos finais. A maquiagem, ganhadora do Oscar em 2010, é discreta, porém eficiente ao retratar as diversas espécies daquele universo. O figurino consegue criar uma identidade visual mais fácil e reconhecível aos personagens através das camisas de cores diferentes que a tripulação da Enterprise veste, sem esquecer dos clássicos camisas vermelhas, aqueles que possuem um destino trágico sempre que partem em missões secundárias com a tripulação principal.

O elenco de Str Trek é o principal acerto do longa. A química que os sete atores principais possuem gera uma dinâmica muito agradável de acompanhar. Chris Pine consegue colocar charme, ousadia, rebeldia, liderança e determinação em um personagem que, junto com Spock, é o ícone da franquia. O filme não funcionaria se o público de fato não acreditasse que o Kirk de Chris Pine fosse a versão mais nova do Kirk de William Shatner. O mesmo acontece com o Spock de Zachary Quinto em relação ao Spock de Leonard Nimoy. Quinto está perfeito no papel, tornando o personagem mais multidimensional que os demais, principalmente por sua natureza metade vulcana e metade humana. O ator consegue passar uma apatia controlada em Spock, sem exaltações, além de manter sua voz em um tom quase sempre monocórdico, mas guardando seu lado humano, que parece sempre pronto para aflorar. Karl Urban interpreta Dr. McCoy de forma única, carregado de mau humor e pessimismo, sempre deixando suas emoções falarem mais alto. Zoe Saldana consegue fazer com que Uhura fique na mente do espectador por muito tempo, principalmente pela energia e carisma que a atriz coloca na personagem, com a direito a um início de romance com Spock, que foge do cânone da franquia. Simon Pegg aparece apenas a partir da metade de projeção, mas o suficiente para evidenciar a importância de Scotty para a tripulação da Enterprise. O humor ácido do ator combina perfeitamente com o sempre sobrecarregado engenheiro chefe da nave. Anton Yelchin tem o mais discreto dos personagens principais, mas o seu Chekov tem muito carisma e presença para torná-lo relevante. A juventude e disposição de Yelchin gera uma empatia imediata por parte do público. John Cho possui presença de tela suficiente para garantir que o seu Sulu também se estabeleça com eficiência e o ator ainda coloca a disposição do personagem todo o seu vigor físico e suas habilidades em artes marciais. Bruce Greenwood tem uma participação pontual, mas serve como figura paterna para Kirk, além de conseguir transmitir carinho e atenção para com a sua tripulação. Eric Bana está discreto mais por culpa do roteiro, mas consegue transmitir ira e rancor quando necessário. Seu vigor físico é pouco explorado, já que o seu personagem só parte para a ação no terceiro ato.

Star Trek ganha uma nova roupagem nas mãos do talentoso J. J. Abrams e consegue se apresentar à nova geração de maneira convincente com uma história empolgante e elenco perfeitamente escolhido. Rendeu apenas US$ 386,0 milhões em bilheteria mundialmente, mas sua recepção foi tão positiva por parte da crítica e, principalmente, do público que garantiu uma continuação quatro anos depois.

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=af9OC6G7MT8[/youtube]

NOTA: 9,0

INFORMAÇÕES 

Título: Star Trek (Star Trek)
Direção: J. J. Abrams
Duração: 127 Minutos
Lançamento: Maio de 2009
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, Anton Yelchin, John Cho, Bruce Greenwood e Eric Bana.


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Derek Moraes

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