[SEM SPOILERS]
Sinopse: Para retomar o trono dos deuses do Egito que é seu por direito, Horus (Nikolaj Coster-Waldau) precisa derrotar o tio Set (Gerard Butler) com a ajuda do mortal Bek (Brenton Thwaites) que quer ressuscitar sua amada Zaya (Courtney Eaton). Junto com Horus estão ainda outros deuses como Toth (Chadwick Boseman), Hathor (Elodie Yung) e o deus supremo Ra (Geoffrey Rush).
A mitologia é uma fonte em que as mais diversas mídias se inspiram para criar seus produtos devido à riqueza de personagens e tramas envolvidas. O público já acompanhou inúmeras adaptações da mitologia grega, a mais difundida no ocidente, nas mais diversas mídias como cinema, livros e games. A mitologia nórdica recentemente começou a ser introduzida na cultura pop através dos filmes do Thor (2011 e 2013) e das séries Vikings (2013-hoje) e The Last Kingdom (2015-hoje). Ainda há diversas outras mitologias a serem exploradas como a indiana e a japonesa, por exemplo. Hollywood achou interessante explorar a cultura egípcia, pouquíssimo conhecida pelos ocidentais, em um longa, este Deuses do Egito. O estúdio Summit apostou um caminhão de dinheiro (US$ 140,0 Milhões) em um longa focado nos deuses egípicios com um elenco de boa qualidade. O resultado que o público acompanha no cinema é tão desastroso que seria um milagre digno destes deuses se o longa ao menos se pague, com chances de lucro mínimas.
O diretor australiano Alex Proyas está em Hollywood há mais de vinte anos, mas tem apenas sete filmes no currículo, sendo que apenas os seus últimos longas são mais famosos: os bons Eu, Robô (2004) e O Presságio (2009). Proyas dirige filmes com grande impacto visual e é competente em dirigir atores, sendo que conseguiu com que Nicolas Cage entregasse a sua melhor interpretação em mais de dez anos no longa de 2009. A impressão é que o diretor se perdeu na grandiosidade narrativa que trabalhar com a mitologia egípcia proporciona. Em nenhum momento é perceptível a direção de Proyas. Mesmo a direção de arte, eficiente na retratação do Egito, fica muito aquém de outros trabalhos do diretor. Tudo em Deuses do Egito fica entre regular e abaixo da média, fazendo com o que espectador, em determinado momento da projeção, desligue o cérebro e fique na sala de cinema apenas para apreciar o pouco que pode se aproveitar do que está sendo mostrado.
O primeiro erro do longa é não situar o espectador naquele universo. É evidente que a mitologia egípcia não é de domínio de todos como a mitologia grega que está intrinsecamente ligada na cultura ocidental. Então, quando na cerimônia de coroação de Horus os deuses menores são anunciados, o espectador se vê na frente de uma avalanche de nomes e cargos que não tem tempo de digerir, já que logo Set invade o local e o confronto começa. Teria sido mais sábio por parte do roteirista eliminar alguns deuses menores que não tem qualquer função na trama e explicar melhor a genealogia divina, além de focar e explorar melhor os deuses com relevância na história como Toth e Hathor. As motivações de Set são ridículas e não convencem em nenhum momento. O deus ficou milênios governando o deserto egípcio e, sem mais nem menos, resolve surtar justamente na cerimônia de coração do sobrinho, soando muito forçado e conveniente. Aliás, conveniência é uma palavra que funciona bem na história de Deuses do Egito. Há diversas situações em que o roteiro decide facilitar as coisas para os protagonistas. Em determinado momento Horus e Bek precisam decifrar o enigma da esfinge. Qual a saída fácil? Chamem o deus da sabedoria. Determinada situação é impossível de ser revertida até pelos deuses. Como terminar o longa de maneira feliz? O deus supremo Ra concede um desejo a Horus. Um roteiro que funciona na base da facilidade força a inteligência de quem assiste, diminuindo a credibilidade do que está sendo assistido. Há personagens que entram e saem da história sem nem ao menos sabermos seus nomes, como a dupla de assassinas controladas por Set e que cavalgam duas serpentes e alguns deuses rebeldes que ainda estão fazendo frente a Set.
O plano de Set só é revelado no final do longa e quando o espectador percebe o que o deus pretende é de um absurdo gigante. Quando o demônio Apophis destruir o mundo o que Set irá governar? Qual o objetivo de Set investir na ‘construção civil’ no Egito se no final tudo será destruído? Nada faz sentido no plano de Set. Menos sentido ainda fazem os planos de Ra. Enquanto fica intocável na sua balsa celestial lutando dia após dia contra Apophis, o deus supremo não mexe um dedo para ajudar a humanidade. Nem mesmo quando seu neto vai atrás de sua ajuda. E quando Set confronta Ra o que o deus supremo faz é dizer que tudo faz parte de um plano maior, que sempre planejou que Set um dia pudesse assumir o seu lugar. Seu filho destrói a sua criação e você ainda quer que ele ocupe seu lugar? Nada faz sentido no plano de Ra. E por que apenas Horus e Set possuem uma forma ‘animal’? Só para agraciar o público com suas lutas. Deve ser isso. E qual é o passado de Hathor que é pincelado durante toda a projeção, mas nunca é totalmente explicado? E qual a necessidade de fazer os deuses mais altos que os mortais? É apenas um gasto a mais para a inserção dos efeitos especiais nas sequências em que deuses e humanos estão presentes, já que narrativamente não possui uma função.
A direção de arte de Deuses do Egito é algo fundamental para conseguir fazer com que o espectador acredite que aquele universo realmente é crível. E ela funciona, sem grande destaque, mas ao menos não decepciona. A recriação do Egito na grandiosidade de suas construções é algo crível, assim como o interior destes lugares. A montagem é eficiente no sentido de ser dinâmica o suficiente para que o espectador não tenha tempo para pensar nos erros do filme, algo muito semelhante ao que Transformers (2007-hoje) faz. Mas o espectador consegue perceber estas falhas porque as mesmas são muito evidentes. Os efeitos especiais são competentes, mas falham em alguns momentos como nas formas ‘animais’ de Horus e Set que não convencem. A trilha sonora é genérica ao extremo, mas ao menos consegue pontuar bem as sequências de ação, empolgando quem está assistindo.
A trama secundária, de Bek tentando ressuscitar Zaya, funciona por colocar o garoto, cético em relação aos deuses, em conflito de ideias e atitudes com Horus. Também serve para que o submundo egípcio seja apresentando juntamente com todo o processo do que acontece após a morte. Em contrapartida, o deus Anubis é subaproveitado, desperdiçando um personagem com potencial interessante, já que ele controla o mundo dos mortos e este mesmo mundo é valorizado pelos deuses, que enfatizam o descanso eterno como o sonho de qualquer ser. Um desastre ainda maior é colocar os deuses protagonistas sendo um dinamarquês (Nikolaj) e um irlandês (Butler), indo etnicamente contra tudo o que está sendo discutido em Hollywood nos dias de hoje que é a inclusão das minorias nos filmes, ainda mais em longas em que os personagens principais não deveriam ser loiros, brancos, de olhos azuis e ainda falando inglês com sotaque.
Nikolaj Coster-Waldau é o único que parece estar levando o filme a sério, interpretando Horus com uma dignidade que até destoa do clima geral do longa. O ator é competente, mas o roteiro o boicota, fazendo de Horus algo como o Thor: arrogante e mimado. Nikolaj ainda não conseguiu um papel digno em Hollywood, sendo que o seu melhor trabalho ainda é o sensacional filme sueco-norueguês Headhunters (2011). Gerard Butler está canastrão ao extremo, parecendo que está se divertindo mais do que todos ao ganhar um cachê gordo para um filme que não necessita de uma grande interpretação sua, apenas o seu vigor físico. Brenton Thwaites não compromete e não se sobressai, estando apenas eficiente como Bek, mas a sua química com Courtney Eaton convence e chega até a conseguir certa afeição por parte do público. A atriz também não compromete, mas a verdade é que ela tem pouco tempo de tela para desenvolver melhor a sua personagem. Chadwick Boseman está um desastre, interpretando um deus afeminado sem nenhum motivo aparente a não ser fazer graça, o que não consegue. Um desperdício de um jovem ator promissor. Elodie Yung está bem como Hathor, embora a sua personagem não tenha nenhuma função prática no roteiro, servindo apenas para ajudar os protagonistas uma ou duas vezes. Geoffrey Rush interpreta Ra de maneira até discreta para o ator, que gosta de um exagero. Ele está bem e as cenas em que o personagem aparece estão entre algumas das melhores e visualmente mais bonitas do longa. Uma pena que o personagem em si seja um desastre.
Deuses do Egito bebe de uma fonte riquíssima, mas o produto final é de uma pobreza narrativa e de interpretação tamanha que dá sono em quem assiste. Não terá vida longa nos cinemas, onde deve arrecadar uma mixaria e uma continuação é praticamente impossível de acontecer. Desde já um dos candidatos a estar nas listas do Framboesa de Ouro de 2017.
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