O estouro da bolha imobiliária americana em 2008 mergulhou os Estados Unidos e boa parte do mundo na pior crise financeira desde a quebra da bolsa de valores em 1929. Bancos faliram, famílias perderam tudo, o desemprego aumentou a níveis alarmantes e a economia mundial mergulhou em uma crise financeira que demorou pelo menos cinco anos para dar sinais de melhora. Lógico que sempre que alguém perde dinheiro, alguém ganha. E foi o caso com a crise iniciada em 2008. Grupos distintos de investidores, através da interpretação de dados financeiros, apostaram contra o mercado imobiliário, tido como um dos mais estáveis dos Estados Unidos, já que ninguém deixa de pagar suas hipotecas, como é repetido à exaustão neste A Grande Aposta. Com o estouro da bolha, estes investidores lucraram como nunca, mesmo às custas da maior crise financeira em quase um século.
Adam McKay é mais conhecido em Hollywood como produtor, sendo que seu currículo na função de diretor se resume a apenas sete filmes, sendo os mais famosos O Âncora – A Lenda de Ron Burgundy (2004) e a sua continuação Tudo Por um Furo (2013). São filmes que não impressionam ninguém e nem criam muitas expectativas para os seus próximos trabalhos. Em A Grande Aposta o diretor tem a sorte de trabalhar com um elenco sensacional, com uma história muito atual sendo contada em um ritmo alucinante através de um roteiro que ele ajudou a escrever. Uma combinação de fatores difícil de dar errado e, quando dá certo, o resultado é digno de prêmios. Não é à toa que o longa concorre em cinco categorias do Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor.
A velocidade da narrativa é insana. Os diálogos são rápidos e carregados de termos técnicos do mundo da economia. E esse é o único ponto negativo do filme. A constante utilização de conceitos do mundo de Wall Street cansa a partir de um certo ponto da narrativa. O espectador se sente cansado tentando processar o montante de informações que está sendo passada. E se levarmos em conta que o filme possui 130 minutos de duração, esse é um fator importante. O roteiro é inteligente ao colocar celebridades para explicar alguns termos técnicos, como os subprimes. Constantemente a narrativa quebra a quarta parede e o ator se comunica diretamente com o espectador. E essas inserções de celebridades para elucidar conceitos para o espectador, na qual a melhor inserção é sem dúvida a de Margo Robbie, funcionam até certo ponto. Mas na terceira vez que ela ocorre o que o espectador quer mesmo é que nenhum conceito novo apareça, porque já estava difícil processar os apresentados anteriormente. Para quem é economista ou é conhecedor deste mundo é interessante ver o seu dia a dia sendo apresentado para uma parcela da população maior. O mesmo ocorre na série Mr. Robot (2015-hoje), em que o mundo da segurança digital é apresentado para mais pessoas. Mas a série é mais feliz ao dosar o quanto da tecnicidade daquele mundo é apresentada ao espectador.
No longa não há um personagem principal. Os quatro grupos de investidores dividem o tempo de projeção de acordo com a necessidade da narrativa. O personagem de Christian Bale, por exemplo, não interage com nenhum outro personagem relevante da trama. É o mergulho naquele mundo, a princípio estável, que carrega a narrativa de ponta a ponta. Conforme os personagens confirmam o que os números sugerem, que o colapso da economia é iminente, mais eles se sentem inseguros sobre o resultado final. Embora o lucro seja algo certo, saber que ele virá através da falência e do prejuízo da maioria da população do país é algo que incomoda. Mais frustrante para os personagens é observar que o estouro da bolha foi postergado o máximo possível pelos Estados Unidos, já que o governo tentou de todas as maneiras evitar o desastre através de constantes aportes financeiros aos bancos mais atingidos. Então toda a vez que os personagens estavam convictos que algum dado negativo da economia americana seria divulgado e isso não ocorre, a frustração que surge é paupável. A dinâmica do mercado financeiro também é mostrada de maneira interessante, embora não tão profunda quanto O Lobo de Wall Street (2013), mas o espectador consegue perceber que as pessoas que trabalham nele vivem no limiar de explodirem, com uma pressão constante, uma cobrança maciça por lucro e com relações interpessoais frágeis.
A trilha sonora do filme é composta por músicas dos anos 2000, todas de fácil reconhecimento pelo espectador, ajudando a conferir o ritmo acelerado que a narrativa possui. A montagem é magnífica, conferindo fluidez e dinamismo à narrativa e inserindo cenas da vida real no longa, como pedaços de clipes ou noticiários. Todos os aspectos técnicos do longa servem para um objetivo único: criar um ritmo alucinante na narrativa, fazendo com que o espectador não tenha tempo de respirar, algo muito semelhante ao que é o mercado financeiro na vida real.
A imersão naquele mundo que o roteiro oferece é tamanha que nada além dos personagens relevantes é mostrado. Apenas o personagem de Steve Carrel tem a sua esposa apresentada por possuir uma função importante na narrativa. Os outros personagens não possuem seu lado familiar explorado. Não sabemos se são casados, se possuem filhos ou mesmo seus problemas mais pessoais. O roteiro é eficiente ao eliminar possíveis personagens e subtramas desnecessárias, enfatizando que o que interessa é a história de como a crise se iniciou e de como algumas pessoas tiraram vantagem dela.
Christian Bale está excelente. O ator interpreta o mais lógico e objetivo dos investidores, com uma certa arrogância misturada com muita excentricidade que acabam prendendo a atenção do público. Steve Carrel, que finalmente está desassociando sua imagem de comédias, está muito bem no papel do mais visceral e perturbado dos investidores, mas mostrando certa fragilidade e instabilidade emocional quando os acontecimentos que envolveram seu irmão são mencionados. Ryan Gosling está eficiente como o personagem que mais dialoga diretamente com o espectador. O personagem é pouco interessante, mas o ator tem carisma o suficiente para atrair a atenção do espectador. Brad Pitt está muito discreto como o personagem do investidor veterano que não quer mais saber de Wall Street. É uma interpretação contida para um personagem pequeno, mas relevante para aquilo que se propõe. A dupla John Magaro e Finn Wittrock está bem como os personagens que possuem a mistura de imaturidade com audácia necessária para quem quer ser alguém no mundo dos negócios. A interação dos dois com o personagem do Brad Pitt rende alguns bons momentos, mostrando uma química interessante entre os atores.
Embora seja um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme, A Grande Aposta com certeza não seria a minha escolha. Mesmo com boas interpretações e um ritmo frenético evidenciado pela sua ótima montagem, acaba cansando o espectador com o excesso de informações. Serve muito bem como retrato de um evento importante e de impacto mundial. Um ótimo filme, mas não melhor que Spotlight – Segredos Revelados (2015) ou Mad Max – Estrada da Fúria (2015).
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