[SEM SPOILERS]
Depois de 17 anos, Hugh Jackman deixa o manto de Wolverine nos cinemas. O personagem surgiu como coadjuvante numa aventura do Hulk, mas ganhou o estrelato nas HQs e ao longo de seis filmes (sete se contarmos X-Men: Apocalipse), a nossa versão cinematográfica do “carcaju ” tem nos agraciado ora provocando a discórdia entre marvéticos ora emocionando os fãs em suas cenas de ação e drama. No entanto algo que ninguém nega é que esse papel caiu como uma luva para o ator australiano, chegando a levar aqueles, de opinião mais “acalorada”, a dizer que Jackman é insubstituível, o “Wolverine definitivo”.
Tal afirmação pode se tornar ainda mais sólida após a estreia de “Logan”, pois o esforço e esmero empregado pelo ator e o resto do elenco é inacreditável. Como o próprio ator disse em várias entrevistas, ele deu tudo de si para dar um bom fechamento a saga de Wolverine, não só por ter mais liberdade dessa vez (por causa da classificação indicativa), mas por ser um papel que sedimentou sua carreira em Hollywood. O diretor, James Mangold, assim como o resto da equipe, também merecem os louros, pois se Wolverine vive dizendo “Eu sou o melhor no que eu faço”, eles nos entregaram o “melhor filme dos X-Men” e um dos mais diferentes filmes de super-heróis já feitos. Por isso nós, do InVader, temos todo o prazer de escrever essa crítica para vocês (e embora extasiados, tentaremos ser os mais imparciais possível).
A história se passa num futuro próximo, no qual um debilitado Logan (Hugh Jackman) cuida do doente Professor Xavier (Patrick Stewart) escondido na fronteira do México. Mas sua tentativa de ficar isolado do mundo e de seu legado termina quando uma jovem mutante Laura ( Dafne Keen) surge, sendo perseguida por forças obscuras, transformando a trama numa road trip focada no trio de personagens. Aliás, isso já é uma grande diferença de todos os outros filmes de heróis: Logan é um filme focado nos personagens, nos seus conflitos e expondo a todo momento suas fragilidades, então já espere um filme “agonizante”.
Logan é aquele tipo de filme que pode ser resumido em sua primeira cena. Wolverine, já velho, ao tentar defender sua limusine, apanha exaustivamente de uma gangue, sendo atirado ao chão sujo. Submisso ele tenta resistir calado e você começa a ficar agoniado, mas o personagem acaba reagindo com uma violência nunca antes vista num filme de herói (decapitações e mutilações sangrentas não faltam), ainda que ele o faça de forma cansada, o que te deixa ainda mais tenso. Agonia, violência e perda da vontade de lutar marcam esse filme, mas não são usados como “entretenimento”, mas como recursos narrativos. A violência nada mais é que a justificativa do porquê Logan está cansado de matar, ele se odeia por isso e como até ele diz “mesmo que só mate caras maus, ainda são pessoas”. A agonia é um dos vários recursos do filme para chegar ao mais alto nível de verossimilhança e demonstrar a humanidade de todos os personagens, pois não importa o quão poderoso seja um ser, vê-lo sempre no chão, sujo, cheio de cicatrizes, indefeso e urrando de dor, o deixa quebrado, frágil a um ponto que você cria uma empatia e sofrimento por ele. E acredite, nesse filme, é coisa ruim atrás de coisa ruim com os três personagens, como na real vida humana.
Humanização, aliás, é o tema desse filme, o que Goldman consegue fazer muito bem. O roteiro deu oportunidade aos atores de demostrarem vários sentimentos humanos como arrependimento, medo, amor, vício, cansaço, luto, autodestruição, vergonha, entre outros. Até condições genuinamente humanas são mostradas, como o esforço que Logan faz para continuar de pé numa luta, a cena de Logan levando Charles ao banheiro e ele estar sofrendo de Alzheimer, sendo ele o telepata mais poderoso do mundo. Até a estética do filme remete esse apelo por humanidade e sua fragilidade, sempre mostrando cenas áridas, personagens exaustos e sujos (mal conseguem andar), diálogos muitas vezes monossilábicos, objetos de cenários destruídos e velhos, e as cenas de luta são mais cruas do que pirotécnicas, os personagens querem mais sobreviver do que impressionar o espectador. Até os momentos de respiro são cotidianos, como um jantar de família comum ou momentos de descanso dos três fugitivos, o que é uma ode a principal base das HQs dos X-Men, “a família”.
Falando em compreender o cerne da história dos mutantes, como nenhum outro filme fez, “Logan” consegue homenagear seus quadrinhos no filme pela metalinguagem, uma vez que Laura cresceu lendo as HQs dos X-Men, que no universo do filme existem como adaptação de acontecimentos reais. Wolverine tem raiva delas não só por lembrar de seu passado, mas também porque ele não se considera um herói, o que faz da trama um chamado a Logan se revelar como o herói que todos pensam que ele é, mas ele precisa se perdoar primeiro, logo essa metalinguagem simboliza a “esperança”. Outro recurso é o intertexto com o filme clássico de western “Os Brutos Também Amam”, que passa o jeito de pensar de Logan (seu passado que sempre o persegue), o arquétipo do herói em busca de redenção, o conflito com um jovem como testemunha e a estética desértica do filme, fazendo lembrar pela trama também “Os Imperdoáveis”.
Saindo do aspecto do roteiro, na atuação do elenco o filme também é uma pérola. Jackman consegue nos entregar toda dor e angústia da alma de Logan, o fazendo por vezes sair cruel para o amável num piscar de olhos, transformando seu personagem que antes era uma “arma descontrolada” em um cão velho e acuado, sendo que o mais importante é ele, unido a sua maquiagem cheia de cicatrizes e grisalho, conseguir passar toda a decadência humana (como na cena da pedreira). Patrick não fica atrás, nos mostrando Charles, o grande Professor Xavier, como nunca visto antes na tela, seja xingando, sendo senil e ranzinza ou até corroído pela culpa, tentando passar uma última mensagem de amor a Logan antes que ele perca a sanidade. Keen é a Laura perfeita, animalesca como surgiu na série de TV (X-Men: Evolutions) e mesmo jovem, a atriz de 11 anos atua espetacularmente em meio aos outros dois astros, sendo que raramente usa sua voz para se expressar (ela não fala por mais da metade do filme, mas consegue se fazer entender mesmo assim). Os três são uma verdadeira trindade no filme e mesmo com atuações “fracas” dos antagonistas, Logan ainda sim tem um elenco surpreendente.
Falando em antagonistas, aí está uma da poucas falhas do filme. Os vilões do filme não são usados com todo o seu potencial, pois sendo os Carniceiros, mercenários com membros mecânicos, espera-se que eles tivessem “habilidades”, mas é tudo só estético e não passam de Minions padronizados que morrem tão rápido quando aparecem. Até o “grande vilão”, o cientista Dr. Rice é apresentado como um clichê de “cientista malvado, frio, que acha está do lado do bem e se vangloria de seu plano”, e a atuação pífia dele e do chefe dos mercenários, Pierce, não ajuda. Outra falha, menor que a primeira, é o uso da bala de adamantium como uma “solução de trama”, sendo que esta é lembrada constantemente e com tanto foco (estranho, pois esse é o tipo de filme que não explica nada para a plateia) que quando é usada, você já prevê o final. Mas só estamos apontando essas falhas, pois essa é uma crítica impessoal, porque a verdade é que esses problemas são completamente esquecíveis para o filme por causa das inúmeras fugas de clichê, fruto da direção de Goldman que, com suas escolhas de cenário, cenas de luta, elenco, elementos de roteiro e tudo mais que compõe “Logan”, faz todos os nerds do mundo agradecerem por esse feito.
Se você quiser ir ainda mais fundo, há elementos paralelos a trama que também são maravilhosos. O filme faz uma crítica à contra imigração (quem sabe alfinetando o presidente Trump, nosso rei umpalumpa? ), clonagem de alimentos e toda a desvinculação da humanidade nos processos socioeconômicos (como dissemos é um filme sobre a condição humana). E se você é fã e quer “service”, você será bem servido, porque é só prestar bem atenção em objetos do cenário (uma katana aqui, um charuto acolá), elementos do roteiro da saga quadrinística “Old Man Logan”, coisas sub intendidas em diálogos (como cena sobre a “escola” na cena da mesa de jantar) e podemos ir até mesmo para um uso de um recurso que até então nenhum filme dos X-Men tinha usado, embora seja constantemente presente no cânone dos mutantes que são os clones, uma coisa meio “galhofa”, mas é usada como homenagem dessa despedida e por ser a própria materialização da culpa de Wolverine. Porém, nenhuma cena toca mais os fãs e é mais simbólica do que quando Laura pega uma cruz de madeira e a crava no chão como um “X” dos X-Men (quero ver você segurar as lágrimas, pequeno gafanhoto).
Nós só temos a agradecer a Hugh Jackman, a todo elenco, equipe técnica e a James Goldman por ter nos feito despedir de James Howlett, o Wolverine, o Caolho, O LOGAN, dessa forma tão formidável, com um filme que com toda certeza do mundo vai mudar como veremos e como serão produzidos filmes de heróis no futuro. Essa foi a melhor despedida possível e no fundo queremos mais, mesmo sabemos que não podemos ter, pois isso iria estragar o fato de ser o fim, e, exatamente por isso, nos perguntamos: “Por que você não fez essa delícia antes, FOX ?”. Esse filme vale um ingresso na entrada e um na saída, e de preferência compre pipoca sem sal, porque você vai salgar a pipoca com suas lágrimas.
Adeus xará…
NOTA: 9,0
INFORMAÇÕES
Título: Logan (Logan)
Direção: James Mangold
Duração: 137 Minutos
Lançamento: Março de 2017
Elenco: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Dafne Keen, Richard E. Grant e Boyd Holbrook.