Crítica – Os Oito Odiados

7 min


[SEM SPOILERS]
Sinopse: Durante uma forte nevasca, John Huth (Kurt Russell) está levando a prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) para a cidade de Red Rock para pegar a sua recompensa. Dirigindo a carruagem está O.B. Jackson (James Parks). No caminho eles encontram com o Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) e o Xerife Chris Mannix (Walton Goggins). Procurando abrigo da nevasca, o grupo se refugia em uma hospedagem, onde já se encontram Oswaldo Mobray (Tim Roth), Joe Gage (Michael Madsen), o General Stanford Smithers (Bruce Dern) e o responsável pelo estabelecimento Bob (Demián Bichir). A dinâmica entre o grupo, isolado de qualquer contato com a civilização pela nevasca, irá reavivar conflitos e preconceitos da Guerra Civil Americana, onde cada um tenta defender os seus interesses ideológicos e comerciais.


Todo mundo já ouviu falar de Quentin Tarantino. O diretor, roteirista, ator e produtor americano é uma espécie de patrimônio histórico da humanidade. A maneira como ele vê e vive o cinema é algo singular e cada novo filme seu gera mais expectativa que o anterior. O conhecimento que Tarantino tem da sétima arte e de toda a sua história é mostrado em cada cena de seus filmes. E por incrível que pareça, em 24 anos de carreira, Tarantino só dirigiu nove filmes como único diretor e mais um outro  longa dividindo a função com outros profissionais. Seus filmes são todos autorais, não sendo baseados em nenhum material pré-existente. O diretor mergulha em cada etapa do processo para se criar um longa e é por isso que o faz de acordo com o seu tempo, sem pressa e nem pressão de estúdios. E também todo mundo tem um dos filmes de Tarantino dentre os seus favoritos. Seja a busca por vingança da Noiva em Kill Bill – Volumes 1 e 2 (2003 e 2004), ou o mistério do que deu errado no assalto de Cães de Aluguel (1992) ou ainda o maior grupo de matadores de nazistas que o cinema já viu em Bastardos Inglórios (2009). Estes e os outros longas da filmografia do diretor são pérolas do cinema, sendo carregados de violência e banhos de sangue, além da utilização de diálogos cheios de palavrões e preconceitos. Mais uma vez o diretor acerta em Os Oito Odiados, mantendo sua tradição de filmes bons que felizmente parece não ter fim.


A história de Os Oito Odiados é simples e objetiva: pessoas com intenções diferentes e conflitantes sendo forçadas a conviver juntas por um tempo. É uma premissa com várias possibilidades de confrontos e é isso que o filme entrega. O primeiro ato é o ponto menos forte do longa, já que é longo demais e muita informação é despejada no espectador que não entende o porquê de estar ouvindo aquilo tudo. Na verdade Tarantino está dando todas as informações necessárias para sustentar os acontecimentos seguintes. Está construindo seus personagens de maneira tridimensional para que nos importemos com eles no futuro. Mas, mesmo assim, não é fácil para o espectador aguentar quase uma hora de conversas e intrigas para, a partir da segunda hora, ser agraciado com os conflitos. O espectador é bombardeado com informações sobre a Guerra Civil Americana, a situação dos estados do norte e do sul americano, o eterno ódio dos sulistas para com os negros, o passado de alguns personagens e as principais características de cada um. Para quem gosta de bons diálogos este primeiro ato é um deleite para se apreciar, já que cada palavra que sai da boca dos personagens é uma peça a mais na construção de suas personalidades. O filme demora a pegar no tranco, mas quando isso acontece, é quase como um carro sem freio ladeira a baixo: é difícil segurar. 

 

Localizar a história poucos anos depois do fim da Guerra Civil Americana ajuda a mostrar a situação de um país ainda ideologicamente dividido. E o preconceito que o personagem de Samuel L. Jackson sofre de cada sulista é interessante de ser observado, mesmo que seja moralmente condenável, mas mostra nada mais nada menos como as pessoas pensavam naquela época. Tarantino ajuda a conexão entre público e personagem colocando título nestes últimos. Desta maneira temos o Caçador de Recompensar, o Enforcador, a Prisioneira, o Xerife, dentre outros, ajudando o espectador a identificar cada personagem pela sua principal característica ou função dentro da narrativa. O banho de sangue que acontece à cada morte é uma marca do diretor e aqui está mais presente do que nunca. Tarantino acerta no ponto de viragem da trama. Aquele ponto em que as coisas começam a acontecer de fato. Assistir ao personagem de Samuel L. Jackson contar como matou anteriormente o filho de um dos presentes na hospedagem é divertido e tenso ao mesmo tempo, já que as consequências do que está sendo dito são impossíveis de prever.


Poucas vezes no cinema o frio foi retratado de maneira tão real. A nevasca se mostra presente de ponta a ponta no longa e mesmo quando todos se encontram dentro da hospedagem a nevasca está presente através das janelas ou da porta, sendo que esta última permite momentos divertidos para o espectador. Quem assiste consegue até sentir frio junto com os personagens. Mérito de Tarantino, que acaba criando um ambiente quase claustrofóbico com a ação da nevasca. O diretor também consegue criar algo interessante através da distribuição dos personagens no único ambiente da hospedagem. Em determinado momento Tarantino foca a câmera no diálogo dos personagens em destaque, mas ao fundo é possível ver os outros personagens da hospedagem interagindo entre si, o que acaba aumentando o realismo do ambiente que está sendo mostrado, evitando um recurso comum que seria focar a câmera apenas nos rostos dos atores em destaque, esquecendo todo o resto que se passa no local. A fotografia é exuberante, normalmente mostrando amplos locais cobertos por neve ou sofrendo com a nevasca e mesmo dentro da hospedagem a fotografia não utiliza muitas cores quentes, o que inconscientemente aumentaria a sensação de conforto do espectador, fazendo com que a sensação de frio seja intensificada. A direção de arte tem pouco o que fazer já que o filme se passa praticamente apenas em um local. Mas a hospedagem é ricamente retratada, mostrando um local caindo aos pedaços, frio, desconfortável e sem luxo algum, utilizando muito cinza para mostrar a sujeira do local. A trilha sonora é composta pelo veterano Ennio Morricone, de 87 anos, e é sensacional, criando temas ricos e imersivos, combinando perfeitamente com que está sendo mostrado na tela. 

Pouca coisa chama mais a atenção no longa do que a interação entre os personagens. O confinamento de personalidades diferentes com interesses diferentes em um único cômodo favorece o surgimento de faíscas que podem incendiar o ambiente a qualquer momento. E é essa sensação de que tudo pode acontecer que favorece a captação da atenção do espectador a partir do segundo ato. A dinâmica entre os personagens é rica e ajuda a carregar o longa com uma carga emocional elevada. Mais uma vez Tarantino mostra suas habilidades em escrever boas histórias recheadas de bons personagens, aumentando ainda mais o já incrível universo de personagens escritos por ele Tarantino para a sétima arte. 

Samuel L. Jackson, fiel amigo de Tarantino, está ótimo como o único personagem negro da hospedagem, criando conflitos apenas pela sua cor da pele, enriquecendo ainda mais os acontecimentos entre os personagens. A ator é o protagonista de alguns dos melhores momentos do filme, assim como do melhor monólogo. E a intensidade física que o ator consegue colocar em um personagem aos 67 anos é algo digno de nota. Kurt Russell interpreta um personagem desconfiado e pé atrás em relação aos outros personagens, além de rabugento e mandão. O ator se sai bem e não desaponta, dando peso a um personagem que é o catalisador dos acontecimentos do longa. Jennifer Jason Leigh interpreta uma personagem debochada e sarcástica, que não esconde sua opinião e que parece ter sempre um truque na manga. É a interpretação mais caricata do filme, mas funciona pela própria situação em que a personagem se encontra. Tim Roth interpreta o personagem mais obviamente traiçoeiro do longa, com seu sorriso fácil e seus modos delicados chama toda a atenção para a si, despistando outros possíveis candidatos a ‘vilões’. James Parks tem pouco o que fazer como o carroceiro da diligência, mas é protagonista de uma das sequências mais engraçadas do longa quando entra na hospedagem depois de cumprir uma obrigação no exterior do local. Bruce Dern carrega suas falas e suas expressões de ódio e preconceito racial, favorecendo o surgimento de uma antipatia imediata por parte do espectador que funciona principalmente se levarmos em conta o passado do personagem. Michael Madsen interpreta o mais misterioso personagem da hospedagem, com poucas falas e expressões, é o maior segredo que o espectador precisa decifrar. Walton Goggins tem o arco dramático mais interessante de ser observado, mostrando que nada é imutável quando é a vida de cada um que está em jogo, tomando algumas atitudes no terceiro ato que surpreendem. Demián Bichir faz o possível para que seu personagem seja relevante na trama, mas a verdade é que o mistério em torno dele é decifrado rapidamente, sobrando pouco para o espectador se preocupar durante a narrativa em relação ao personagem.

Podendo omitir o nome de Channing Tatum dos créditos iniciais, o que aumentaria a surpresa quando seu personagem surgisse e a maneira que surgisse, Os Oito Odiados é tão bom quanto a maioria dos filmes de Quentin Tarantino. Não é o melhor. Mas ser tão bom quanto outros filmes ótimos do diretor já é algo para se respeitar.

Nota: 9,0

TRAILER


INFORMAÇÕES

Nota: 9,0

Titulo Original: The Hateful Eight

Titulo Nacional: Os Oito Odiados
Direção: Quentin Tarantino
Duração: 167 Minutos 
Ano de Lançamento: 2015
Lançamento nos EUA: 25/12/2015
Lançamento no Brasil: 07/01/2016

Elenco: Kurt Russell, Samuel L. Jackson, Tim Roth, Michael Madsen, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, James Parks, Demián Bichir, Bruce Dern e Channing Tatum. 




Derek Moraes