Crítica – Creed: Nascido para Lutar

Com a luta final se passando em Goodison Park, o estádio do time de futebol inglês Everton, lotado de pessoas, em uma sequência que impressiona pela grandiosidade do evento, Creed - Nascido para Lutar cumpre perfeitamente bem a função de colocar o universo de Rocky novamente em evidência com qualidade, e consegue fazer com que o público compre a ideia de um filme localizado naquele universo com Rocky não sendo o protagonista. Tem todas as cartas na mão para garantir longevidade a uma franquia que parecia que não continuaria. Mas que, felizmente, continuará. E que seja com qualidade.8 min


[SEM SPOILERS]

Sinopse: Adonis Creed (Michael B. Jordan) é o filho mais jovem do lendário boxeador Apollo Creed, sendo fruto de uma relação fora do casamento deste último. Criado pela viúva de Apollo, Mary Anne Creed (Phylicia Rashad), Adonis quer seguir os passos do pai, para isso se muda de Los Angeles para a Filadélfia para treinar com Rocky Balboa (Sylvester Stallone), o que acaba levando o jovem a conhecer a cantora Bianca (Tessa Thompson) enquanto se prepara para enfrentar novos oponentes, como o boxeador número um do mundo da categoria meio-pesados Ricky Conlan (Tony Bellew).


Rocky Balboa é um dos personagens mais icônicos da cultura pop e o responsável por catapultar a carreira de Sylvester Stallone rumo ao estrelado em Hollywood. Seu primeiro longa, Rocky (1976) foi o azarão do Oscar de 1977, tirando o prêmio de Melhor Filme do favorito Todos os Homens do Presidente (1976). O longa é bem realizado, com um orçamento modesto, uma história simples escrita pelo próprio Stallone e personagens cativantes.  O suficiente para entrar para a história do cinema. Rocky teve cinco continuações: o bom Rocky II – A Revanche (1979), o regular Rocky III – O Desafio Supremo (1982), o também bom e mais comercial dos longas Rocky IV (1985), o péssimo Rocky V (1990) e Rocky Balboa (2006), um ótimo filme que deu um novo gás para a carreira de Stallone. A verdade é que a carreira do ator, que já dura 46 anos, é apenas regular, mesclando personagens icônicos como Rocky e Rambo com outros esquecíveis. O final do sexto filme deixava claro que a história do lutador tinha chegado ao fim. Todo o arco do personagem tinha se encerrado naquela luta sensacional em que Rocky, mesmo tendo perdido, saiu ovacionado pelo público. Mas Stallone tinha uma carta na manga que ninguém tinha previsto. Embora seu personagem tivesse chegado ao fim de sua trajetória, aquele universo ainda tinha muito a oferecer. E chegamos neste Creed – Nascido para Lutar que, desacreditado por muitos antes de seu lançamento, surpreende em todos os aspectos, evidenciando que Stallone estava mais do que certo em apostar no universo de Rocky Balboa uma sétima vez.


O escolhido para esta empreitada foi o jovem diretor americano Ryan Coogler, de apenas 29 anos, que tinha apenas um longa no currículo e, com o sucesso de público e crítica de Creed – Nascido para Lutar, foi escolhido para dirigir o longa da Marvel Pantera Negra que estreia em 2018. O trabalho que Coogler faz neste longa é simplesmente espetacular. Todos os elementos do filme são harmonicamente estruturados, resultando em um longa bem realizado e visualmente arrebatador. Um filme comercial com qualidades narrativas e técnicas que funcionam em quase sua totalidade. A maneira como o diretor filma, abusando de planos sequências e valorizando o que está sendo mostrado na tela, capta a atenção do público e dá fluidez à narrativa. A escolha do diretor em filmar a primeira luta oficial de Adonis em um único plano sequência de mais ou menos dez minutos é ambiciosa, já que depende de uma sincronia e organização de diversos fatores, incluindo uma platéia e vários personagens trabalhando ao mesmo tempo. Um primor técnico que merece ser reconhecido. O espectador se sente imerso naquela luta sem cortes, acompanhando de perto os lutadores e a equipe técnica dos mesmos, tudo muito bem coreografado.

Há vários acertos narrativos em Creed – Nascido para Lutar. O primeiro e mais claro é tirar da história o filho de Rocky, Robert Balboa. O personagem já não tinha funcionado nos dois longas em que tinha aparecido, pesando o fato que foi interpretado por dois atores limitados, Sage Stallone no quinto filme e Milo Ventimiglia no sexto. O roteiro utiliza duas ou três frases para mostrar o destino do personagem e pronto, é o suficiente. Como este longa quer criar uma nova série de filmes focados em Adonis Creed, foi dada uma limpa na mitologia de Rocky para deixar o caminho mais aberto para o novo personagem. Então um destino foi dado ao personagem Paulie, assim como a personagem Marie que apareceu com certa importância no sexto filme desaparece neste novo longa, sem contar Adrian que teve sua morte revelada anteriormente. Isso não quer dizer que Creed – Nascido para Lutar não traga elementos da mitologia de Rocky. Pelo contrário. Quem é fã da série de filmes vai se divertir achando diversas referências neste novo longa. Temos as tartarugas de Roky, o costume do personagem comer ovos pela manhã (agora fritos), a famosa escadaria do Museu de Artes da Filadélfia, o gosto de Paulie pelo álcool, o agasalho cinza que Adonis usa para treinar, o calção estilizado com a bandeira dos Estados Unidos que o pai do lutador usava, a mansão Creed, dentre outros. Tudo muito orgânico, nada forçado. Focar o filme no filho de Apollo Creed é importante pela relação que o personagem, morto há muito tempo, tinha com Rocky Balboa. Como Adonis gosta de enfatizar durante o filme, a família Rocky e a família Creed são quase uma grande família, já que muitos sofrimentos e sucessos de cada uma foram compartilhados entre as duas, criando um vínculo duradouro que gera certa responsabilidade de Rocky para com Adonis. 

O longa erra naquilo que a franquia insiste em errar desde o terceiro filme. Na intenção de criar um vilão para a narrativa, acabam fazendo do principal lutador rival um personagem unidimensional que só sabe se gabar de suas habilidades e cujo único objetivo é destruir o personagem principal. Algo cansativo e forçado, que funcionou apenas no quarto filme com Ivan Drago (Dolph Lundgren) mais pelo porte físico descomunal do ator que gera um impacto visual que coloca medo no espectador de imediato e dispensa, em partes, um maior desenvolvimento do personagem. Aqui não funciona, fazendo do personagem do boxeador profissional inglês Tony Bellew mais um esportista mimado, arrogante e dispensável. Não há a necessidade do lutador rival ser uma pessoa deste tipo. Pode ser alguém humano, com problemas e sentimentos como qualquer outro personagem. Também há um surto de comportamento quando Adonis vai preso no final do segundo ato, que surge um pouco forçado e desnecessário. Mas é algo pontual, que, embora incomode, não compromete. O fato de Adonis ser filho de Apollo com alguma amante é algo que surpreende o público, já que nunca foi mencionado que o lutador tinha ou teve relações fora do casamento ou mesmo que tinha tendências para trair. De qualquer maneira, é um instrumento do roteiro para aumentar o drama de Adonis, fazendo com que o personagem tenha passado por orfanatos e lares adotivos sem sucesso até ir morar com a viúva de Apollo.

Tecnicamente o filme é um show à parte. As duas lutas principais são coreografadas com perfeição, conferindo um realismo e um impacto visual que impressiona. As habilidades dos lutadores são evidenciadas ainda mais pela maneira soberba com que Ryan Coogler filmou, melhorada ainda mais com a fotografia linda que o longa possui, que exalta a beleza visual das lutas, assim como a da cidade da Filadélfia que nunca esteve tão bela em um filme da série Rocky. A montagem é eficiente, conferindo o dinamismo certo a um longa em que a narrativa se apoia basicamente na interação entre Rocky e Adonis e a preparação deste último para as lutas, o que resulta nas já icônicas sequências de treinamento da série, sendo o ápice aquela em que Adonis corre pelas ruas da cidade acompanhado por um grupo de motociclistas. A trilha sonora é perfeita, utilizando novas faixas junto com aquelas clássicas da série. E é empolgante perceber como a faixa Gonna Fly Now, uma das marcas de Rocky junto com Eye of the Tiger, é apresentada apenas pontualmente durante todo o filme para ser tocada em toda a sua imponência apenas no último round da luta final, resultando em arrepios por parte da plateia que transborda em sentimentos nostálgicos.

A humanização do personagem Rocky é algo que é realizado desde o primeiro longa e neste Creed – Nascido para Lutar isto continua de forma mais intensa. O roteiro não se cansa de mostrar Rocky como alguém falho, humano, cheio de dúvidas e medos, que se apega mais ao passado do que ao futuro. E quando vemos o personagem no seu momento mais debilitado, o espectador sofre junto com ele devido à conexão público – personagem que existe. As sequências em que Rocky passa por determinados procedimentos para reestabelecer a sua saúde funcionam tanto para mostrar que até ícones não são imunes ao tempo quanto para oferecer momentos de superação de Rocky, momentos estes que são outra marca do personagem. Na maioria das suas lutas ele primeiro apanhava muito para só depois dar a volta por cima. E essa analogia funciona perfeitamente neste longa. 


Michael B. Jordan está ótimo como o personagem principal, colocando vigor físico e disposição em um personagem que necessita disso. Mas não é apenas nas sequências de luta que o ator se sai bem. Nas sequências em que todo o drama pessoal do personagem é evidenciado o ator também consegue convencer e entrega um interpretação acima da média. Outro destaque fica por conta de sua interação com Stallone, contrapondo muito bem o antigo e o novo, gerando embates de ideias e objetivos que enriquece a narrativa. Michael se estabelece ainda mais como um dos grandes talentos da nova geração de atores de Hollywood e ganha uma franquia de filmes só sua, o que fará com que o ator fiquei ainda mais em evidência para o público. Sylvester Stallone volta ao seu principal papel de maneira perfeita, mostrando novamente que sem Rocky o ator talvez não fosse ninguém nos dias de hoje. Stallone carrega o personagem de saudosismo e memórias do passado, mas não gerando um personagem rancoroso, mas sim alguém com vontade de deixar mais uma contribuição ao mundo. O ator consegue soltar frases de efeitos de maneira convincente sem soar forçado, garantindo diálogos interessantes com o personagem de Michael B. Jordan. Tessa Thompson está bem como a personagem que é interesse amoroso de Adonis. O roteiro é feliz ao não relegar à personagem a apenas um objeto de cobiça, colocando dramas e objetivos próprios para Bianca, garantindo uma maior simpatia por parte do público. Phylicia Rashad aparece pouco, mas cumpre muito bem a função de interpretar a personagem que faz a ligação de Adonis à família Creed. A atriz transmite uma ternura e um carinho que aumenta ainda mais o respeito do espectador por uma personagem que decide criar um filho que é fruto de uma traição do seu ex-marido. Tony Bellew não convence no papel de principal rival de Adonis. O boxeador não consegue entregar uma interpretação minimamente interessante. Por sorte Bellew não está no filme para atuar e sim para lutar, o que ele sabe fazer de melhor. 

Com a luta final se passando em Goodison Park, o estádio do time de futebol inglês Everton, lotado de pessoas, em uma sequência que impressiona pela grandiosidade do evento, Creed – Nascido para Lutar cumpre perfeitamente bem a função de colocar o universo de Rocky novamente em evidência com qualidade, e consegue fazer com que o público compre a ideia de um filme localizado naquele universo com Rocky não sendo o protagonista. Tem todas as cartas na mão para garantir longevidade a uma franquia que parecia que não continuaria. Mas que, felizmente, continuará. E que seja com qualidade.

NOTA: 8,0

 

 


INFORMAÇÕES

Título: Creed – Nascido para Lutar (Creed)
Direção: Ryan Coogler 
Duração: 133 Minutos 
Lançamento: Janeiro de 2016

Elenco: Michael B. Jordan, Sylvester Stallone, Tessa Thompson, Phylicia Rashad e Tony Bellew. 

 


Derek Moraes