Crítica – Batman vs Superman: A Origem da Justiça

Com alguns sutis sinais do que está por vir no DCCU, Batman vs Superman - A Origem da Justiça mostra que a Warner acertou no segundo passo em seu universo, e também mostra que há espaço nos cinemas para Marvel e DC brigarem em pé de igualdade pela atenção e carinho do público que, no final das contas, é quem mais tem a ganhar com essa era de ouro dos heróis nos cinemas. 11 min


[SEM SPOILERS]

Sinopse: Após salvar o mundo do General Zod, Superman  (Henry Cavill) se vê pressionado pela opinião pública a responder pela destruição causada pelo seu confronto anterior e outras situações que parecem depor contra ele, enquanto tenta manter sua relação com Lois Lane (Amy Adams). Bruce Wayne (Ben Affleck) decide acompanhar de perto as ações do alienígena, sempre aconselhado pelo seu mordomo Alfred (Jeremy Irons). Uma terceira peça entra no jogo quando Lex Luthor (Jesse Eisenberg) decide descobrir uma maneira de derrotar o Superman. No meio disso tudo a misteriosa Diana Prince (Gal Gadot) parece saber mais do que demonstra.


Para poupar aqueles que querem uma opinião sucinta sobre Batman vs Superman – A Origem da Justiça de lerem a crítica toda aqui vai um resumo da minha opinião: o filme é bom, mas não é perfeito. É, sim, o filme necessário para estabelecer as bases do Universo Cinematográfico da DC (DCCU) nos cinemas. Para aqueles que querem ler uma opinião mais detalhada do longa, me acompanhe. 


A Marvel, como todos já sabem, pertence a Disney e os direitos cinematográficos de alguns de seus principais super-heróis não são seus, como os X-Men e o Homem-Aranha. O que torna o feito da Casa das Ideias maior ainda, já que todo o Universo Cinematográfico Marvel (MCU) foi construído em cima de personagens de segundo e terceiro escalão em termos de fama e prestígio para com o público. Pare para pensar e me responda se você conhecia Guardiões da Galáxia cinco anos atrás. Possivelmente sua resposta será não. Méritos da Marvel que conseguiu construir um império, no caso um universo, apresentado personagens desconhecidos do grande público com enorme sucesso. Agora vamos pegar o outro extremo quando falamos em histórias em quadrinhos. A DC pertence a Warner e não há um super-herói seu cujos direitos cinematográficos estejam com outro estúdio. Ou seja, a Warner tem oitenta anos de histórias e personagens para explorar todos inteiramente a sua disposição. O que torna a demora do estúdio em agir nos cinemas um fato problemático. Vendo a Marvel, sua concorrente, dar passos largos no sentido de criar um universo coeso nos cinemas com imenso sucesso de público e crítica, a Warner demorou em fazer o mesmo. O primeiro filme do MCU é o Homem de Ferro de 2008, já o primeiro longa da DCCU é Homem de Aço de 2013. Cinco anos de atraso e, o pior, a Warner não tinha um plano de longo prazo. A ideia era basicamente a seguinte: vamos lançar O Homem de Aço e ver o que acontece a seguir. Conclusão: mais tempo perdido. 

Homem de Aço não fez feio nas bilheterias, arrecadando mundialmente US$ 668,0 Milhões, teve uma aceitação boa da crítica e melhor ainda dos fãs. Vendo que o primeiro passo fora dado com certa segurança, a Warner decidiu dar o segundo colocando os dois maiores super-heróis de todos os tempos se enfrentando no segundo longa do DCCU. E logo depois, agora confiante com o potencial de seus produtos, revelou, no final de 2014, todos os seus planos que envolvem o lançamento de dois filmes por ano a partir deste ano (em agosto ainda teremos Esquadrão Suicida) até, pelo menos, 2020. Um passo e tanto que surpreendeu até mesmo a Marvel que, para não ficar para trás, na semana seguinte revelou todos os seus longas da sua Fase Três que vai até 2019. Embora tivesse colocado as cartas na mesa era evidente que os planos só seriam seguidos se Batman vs Superman fosse um sucesso. Caso ocorresse um fracasso, os únicos longas que seriam lançados, com certeza, seriam o já pronto Esquadrão Suicida e Mulher Maravilha (2017) que já se encontra no final de suas filmagens. Todo o resto dos filmes ficaria em cheque. Com medo, a Warner fez uma campanha maciça de marketing de Batman vs Superman, divulgando trailers que revelavam mais do que deviam, constantes entrevistas do diretor Zack Snyder, tudo para fixar na cabeça do espectador que o longa estava chegando e que seria a base do DCCU. O medo da Warner se justifica, afinal estamos falando do sucesso ou fracasso de um planejamento de cinco anos no futuro utilizando a maior franquia do estúdio juntamente com a série Harry Potter.

Para dirigir este Batman vs Superman a função coube a Zack Snyder, queridinho da Warner, que já havia dirigido Homem de Aço (2013), além de outros filmes como 300 (2007) e Watchmen (2009). Na falta de uma figura responsável por controlar todo o DCCU, como Kevin Feige faz com o MCU, Snyder pegou essa função para si, com total confiança do estúdio que, inclusive, já deu ao diretor a função nos dois vindouros filmes da Liga da Justiça (2017 e 2019). O americano tem uma estética visual particular e produz filmes visualmente arrebatadores, embora narrativamente o diretor tenha suas limitações. Em um filme de super-heróis, em que o visual é grande parte do produto, a escolha de Snyder se mostra certa desde Homem de Aço (2013), embora, naquele longa, ele tenha se empolgado demais no terceiro ato criando um cansativo e, por vezes, artificial confronto entre Superman e Zod, já que o excesso de computação gráfica acaba por incomodar quando a mesma é muito utilizada. Felizmente neste novo longa o diretor consegue dosar bem a utilização de computação gráfica, não eliminando-a por inteiro, até porque isso é impossível em filmes de super-heróis, mas utilizando-a somente quando necessário. 

A história é contada de maneira eficiente, dividindo bem o tempo entre Batman e Superman e colocando a Mulher Maravilha em segundo plano, mas já mostrando muito o potencial da personagem. Acompanhar o Batman velho, amargurado, visceral é algo novo para o espectador, que sempre acompanhou o herói nos anos inicias de sua carreira. O público consegue sentir a aura de amargura que o personagem transmite, seu pessimismo latente e sua fúria incontrolável. Já Superman continua no seu desconforto de ter crescido na Terra e não ser um terráqueo, de ter o peso do mundo nas suas costas, de ser responsável por tantas vidas e, ao mesmo tempo, precisar manter sua vida civil em ordem, como sua relação com Lois Lane e seu trabalho no Planeta Diário. Uma das melhores cenas do Superman neste filme, e que representa bem esse seu pesar, é aquela que ocorre após determinada explosão e o personagem descobre que todos que estavam no mesmo local morreram por sua culpa e o semblante do super-heróis é uma mistura de dor com culpa. Um dos méritos do roteiro é dar dinamismo a uma história recheada de personagens e subtramas, fazendo com que a praticidade seja uma palavra chave. Não precisamos saber de onde Lex Luthor veio, o porquê de seu interesse no Superman, nada disso. O personagem é louco e ponto final. Não precisamos saber os motivos de Bruce Wayne ser traumatizado (embora a sequência da morte de seus pais seja mostrada pela enésima vez nos cinemas), ele apenas é assim. O passado recente do personagem, o porquê dele ter se retirado da ativa como vigilante, o porquê da Mansão Wayne estar destruída, quem era o dono do uniforme de Robin, nada disso é explicado, possivelmente guardando para um futuro filme solo do herói.


A construção do DCCU também é realizada de maneira prática e sem tomar mais tempo que o necessário da narrativa. Somos apresentados aos futuros Flash, Aquaman e Ciborgue sem maiores detalhes ou explicações. São seres com poderes e que serão recrutados no futuro. O Flash, aliás, é responsável por uma das melhores sequências do longa em que o conceito de multiverso já começa a ser pincelado nos cinemas, assim como está sendo bem explorado na série do Flash (2014-hoje). O futuro vilão dos filmes da Liga da Justiça (2017 e 2019) também é introduzido elegantemente. Novamente, em um filme com 151 minutos com uma história envolvendo Batman e Superman não há tempo hábil para se perder com subtramas desnecessárias, então Snyder faz o necessário para avisar ao público que tudo faz parte de algo maior, sem perder o foco dos dois personagens principais. Esse excesso de história, digamos assim, foi responsável por um boato de que o longa seria dividido em duas partes, uma com lançamento em outubro de 2015 e outra em março de 2016. Boato ou não, a verdade é que Snyder deve ter cortado bastante coisa filmada para fazer com que o filme coubesse em uma duração aceitável, incluindo a personagem Barbara Gordon (Jena Malone) que ficou para a já anunciada versão estendida do longa. 


Por não ser perfeito, obviamente, o longa tem defeitos. O primeiro deles são os logos dos seres com poderes já prontos que Bruce Wayne encontra nos arquivos digitais de Lex Luthor. Fica muito forçado que o vilão tenha perdido tempo para desenhar logos específicos para cada ser poderoso que conseguiu identificar no mundo. É mais um agrado aos fãs, o famoso fanservice, que, quando bem utilizado rende ótimos momentos em mídias amadas por determinado grupos de pessoas. Lex Luthor é outro problema. Jesse Eisenberg parece estar interpretando uma versão de Mark Zuckerberg 2.0. O vilão fala demais, a maioria das coisas sem nenhum sentido pelo menos para nós brasileiros, gesticula muito e não é objetivo em suas falas cheias de referências. A dúvida é se foi pedido para o ator que interpretasse um Lex Luthor louco e estridente. Se foi isso, a interpretação combina, mas ainda me incomoda por não ser a personificação do que eu enxergo como Lex Luthor. Seja interpretado por Gene Hackman nos filmes das décadas de 70 e 80, por Kevin Spacey em Superman – O Retorno (2006) ou por Michael Rosenbaum na série Smallville (2001-2011), o vilão sempre foi calmo, frio, aristocrático, calculista, um pouco mais contido. O Lex Luthor de Jesse Eisenberg me incomodou bastante. Há uma decisão de roteiro que faz a personagem Lois Lane parecer o ser mais burro do planeta. Se você tem uma arma que pode matar o seu amado você jogaria em qualquer lugar rezando para que nunca ninguém a encontre e saiba o que é ou você esconderia em um local estratégico onde tivesse certeza que ninguém encontraria? Dá para imaginar o que a personagem escolheu. É um mecanismo de roteiro desnecessário, que existe apenas para criar um drama maior a partir das escolhas da personagem. Ao filme também falta um pouco de emoção, aquele tipo de emoção que envolva o espectador e o acompanhe de ponta a ponta da projeção. Tudo parece distante, meio frio, causando um certo distanciamento dos espectadores em relação aos personagens. Felizmente, este distanciamento não é grande o suficiente para evitar o envolvimento emocional em determinado acontecimento no final do longa. 


A trilha sonora é uma mistura interessante que envolve o novo tema do Superman, alguns temas de ópera que servem para dar uma dimensão épica ao que está acontecendo na tela, um tema melancólico que remete ao passado do Batman e um enérgico e ritmado para a sequência em que Batman, Superman e Mulher Maravilha estão juntos lutando. A montagem é eficiente ao sempre manter o espectador atento para o que está acontecendo na tela, mesmo que a ação não seja o foco daquele momento. O próprio ritmo da história é construído em um crescente, em que uma sucessão de acontecimentos leva ao embate entre Batman e Superman. A fotografia é carregada em cinza, preto e branco, como já havia sido em Homem de Aço (2013), cansando um pouco o espectador que sente falta de um pouco mais de cor na tela. Em compensação, as duas sequências de lutas no terceiro ato acontecem de noite e são perfeitamente fotografadas, criando um visual lindíssimo. Os efeitos especiais estão ótimos e só incomodam na luta final entre os três super-heróis e Apocalipse, já que o cenário digital em volta não soa real para o espectador. Os uniformes dos super-heróis estão perfeitos, em especial o do Batman que foge completamente da armadura tecnológica do último Batman apresentado (2005-2012), sendo basicamente um uniforme feito a partir de material especial que protege o personagem enquanto não tira a sua mobilidade. Já o uniforme da Mulher Maravilha está na sua versão guerreira, menos conhecida pelo grande público. Mas os famosos braceletes e o laço estão presentes para o delírio dos fãs.


As sequências de ação, o grande chamariz em filmes de super-heróis não decepcionam. Há duas sequências envolvendo apenas o Batman que são irretocáveis, totalmente baseadas na série de games Arkham (2009-2015), com o herói lutando contra dezenas de inimigos um atrás do outro, utilizando todo o seu arsenal de golpes e equipamentos. A primeira dessas sequências, aquela que se passa no deserto, é totalmente filmada em plano sequência, evidenciando as qualidades de diretor de Zack Snyder. O confronto entre Batman e Superman é interessante de ser acompanhado e é realizado de maneira eficiente, com o Homem-Morcego vestindo sua armadura e enfrentando um Filho de Krypton vulnerável fisicamente. A luta se passa toda em um prédio abandonado, o que permite muitas  paredes quebradas, muitas mudanças de andares, arremessos e etc. Snyder consegue controlar bem a utilização de computação gráfica nesta sequência, conseguindo dar um peso maior ao embate que soa realista de ponta a ponta. Já o confronto de Batman, Superman e Mulher Maravilha contra o Apocalipse, devido a sua própria proporção, precisa de uma quantidade maior de computação gráfica. Mas o diretor não exagera, conseguindo criar uma luta enérgica e relativamente curta para não cansar o espectador. Nesta luta o Batman praticamente só faz figuração, devido as suas limitações como herói, e é algo que precisa ser melhor pensado nos próximos filmes do DCCU para fazer com o personagem, com seu arsenal infindável de tecnologia, consiga participar mais ativamente em lutas contra seres super-poderosos. 


Henry Cavill continua bem como Superman e péssimo como Clark Kent. Por sorte o roteiro tem muito mais do herói do que de sua identidade civil. O ator não consegue tornar crível as duas figuras diferentes como Christopher Reeve conseguia, com seu Clark Kent tímido e atrapalhado e com seu Superman imponente e resoluto. Mas Cavill não decepciona como Superman. O ator tem o porte físico e a disposição necessária para criar um super-herói pelo menos fisicamente interessante. E mesmo nas sequências mais dramáticas o ator se sai muito bem, conseguindo transparecer todo o peso que o personagem carrega e toda a responsabilidade que possui. Ben Affleck, para calar todos os chatos da internet que o crucificaram quando seu nome foi anunciado para o papel, está ótimo como Bruce Wayne e Batman, com uma aura carregada de pesar e raiva que o espectador consegue perceber apenas pelo seu olhar. Fisicamente o ator está maior do que nunca, interpretando o Batman mais forte que o cinema já viu. Ben Affleck foi um grande acerto da Warner. O ator envelheceu bem e se tornou um bom profissional e um diretor melhor ainda. Ele merecia uma segunda chance nos filmes de super-heróis. Jesse Eisenberg incomoda como Lex Luthor, principalmente pelos seus maneirismos e seu jeito que já foi discutido anteriormente. Jeremy Irons está ótimo como Alfred e possui alguns dos melhores diálogos do longa: ‘O senhor está velho demais para morrer jovem. Não que não tenha tentado’. Fica evidente a relação próxima que Alfred e Bruce possuem, a história que carregam juntos e todo o sofrimento pelo qual passaram, criando um laço e um carinho que é perceptível pelo espectador. Amy Adams está mais confortável no papel de Lois Lane e consegue fazer aquilo que a personagem sempre fez: ser intrometida. A atriz sempre tem a boa vontade do público, que a considera uma atriz competente e voluntariosa, e Amy se utiliza disso para ficar à vontade em seus papeis. Sua relação e sua entrega para com Clark é paupável, convencendo o espectador que compra e se envolve na relação dos dois. Gal Gadot aparece relativamente pouco no filme, até porque um maior tempo de tela poderia ofuscar os dois reais protagonistas da história. Mas sua participação é importante para, primeiro, mostrar ao público que finalmente aquele universo está se expandido e, segundo, levar ao delírio este mesmo público que literalmente vibra quando a Mulher Maravilha entra em cena. Gadot é israelense e serviu durante dois anos nas Forças Armadas de seu país e o porte da atriz, a sua postura e a sua imponência cabem perfeitamente bem na personagem. O espectador sai da sala querendo saber mais sobre aquela personagem que aparece pouco, mas conquista o público imediatamente. Méritos da atriz, sem dúvida. 


Com alguns sutis sinais do que está por vir no DCCU, Batman vs Superman – A Origem da Justiça mostra que a Warner acertou no segundo passo em seu universo, e também mostra que há espaço nos cinemas para Marvel e DC brigarem em pé de igualdade pela atenção e carinho do público que, no final das contas, é quem mais tem a ganhar com essa era de ouro dos heróis nos cinemas. 

NOTA: 8,0

 

INFORMAÇÕES

Título: Batman vs Superman – A Origem da Justiça (Batman v Superman – Dawn of Justice)
Direção: Zack Snyder 
Duração: 151 Minutos 
Lançamento: Março de 2016
Elenco: Henry Cavill, Ben Affleck, Jesse Eisenberg, Jeremy Irons, Amy Adams e Gal Gadot.





Derek Moraes