Crítica – Steve Jobs

7 min


[SEM SPOILERS]
Sinopse: Em três anos diferentes (1984, 1988 e 1998) momentos antes do lançamentos de três novos produtos (Macintosh, Next e iMac), Steve Jobs (Michael Fassbender) é mostrado se relacionando sempre com as mesmas pessoas: Joanna Hoffman (Kate Winslet), Steve Wozniak (Seth Rogen), John Sculley (Jeff Daniels) e Andy Hetzfeld (Michael Stuhlbarg), enquanto se prepara para anunciar para  a audiência suas novas criações e precisa lidar com sua filha Lisa (Mackenzie Moss, Ripley Sobo e Perla Haney-Jardine) e a mãe dela Chrisann Brennan (Katherine Waterston).


O americano Steve Jobs talvez tenha sido uma das figuras mais controversas da história recente. Ao mesmo tempo em que era um visionário em relação às tecnologias que todos teríamos em nossas vidas e das quais não nos imaginamos vivendo sem nos dias de hoje, era um ser humano difícil de se lidar, com um ego inflado e uma arrogância que não fazia questão de esconder. A cada novo lançamento da Apple, algo em nossas vidas estava na iminência de mudar Seja a maneira como escutamos música ou a maneira como utilizamos o celular. Steve Jobs sabia do que precisávamos antes mesmo de nós percebermos que aquilo fazia falta. Um gênio no sentido mais amplo da palavra. Uma fonte de inspiração para muitos que enxergavam nele aquilo que almejavam ser. Após a sua morte prematura, em 2011, todo mundo quis adaptar a sua história para o cinema. O primeiro filme lançado sobre a vida de Steve Jobs foi Jobs (2013) que foi massacrado pela crítica e teve tímida resposta do público. Agora este Steve Jobs tem a missão de contar uma história digna do personagem título. E o resultado é um arraso em termos de roteiro e atuações.

O inglês Danny Boyle tinha uma missão difícil quando assumiu a direção deste longa. Retratar uma personalidade complexa como Steve Jobs de maneira honesta e transparente, mostrando todas as nuances do personagem, tanto as boas quanto as ruins. O diretor inglês é um veterano premiado em Hollywood, dirigindo filmes como Quem Quer Ser um Milionário? (2008), Sunshine – Alerta Solar (2007) e 127 Horas (2010). Ele sabe o que fazer e como fazer. A direção de atores de Boyle em Steve Jobs é espetacular. Em um filme que depende praticamente da história que está sendo contada e dos atores que estão contando esta história, a direção faz ainda mais diferença. O diretor gosta de planos longos, com poucos cortes, sendo que o filme se passa nos bastidores de auditórios e a quantidade de pessoas e o espaço limitado dificulta estes pequenos planos sequências. A energia e a voracidade que Boyle consegue extrair de seus atores é notável, resultando em sequências belíssimas em que apenas o que está sendo dito e a maneira com que os diálogos estão sento ditos conseguem prender o espectador que fica tenso com o que está assistindo. Isto é particularmente perceptível em uma cena soberba, antes do lançamento do Next, em que John Sculley conta para Steve Jobs o que levou à demissão deste último da Apple anos antes. A dinâmica entre os personagens é tão bem realizada e a fotografia utilizada é tão impactante que são quase dez minutos de troca de acusações e rancores sendo jogados ao vento em que é impossível o espectador não ficar hipnotizado. 

Este Steve Jobs não é uma biografia do americano e sim fotografias de momentos específicos, no caso os momentos que antecederam três grandes lançamentos de sua carreira. Desta maneira, não há uma história contínua ou um arco de história sendo contado. São três momentos que se relacionam entre si pelos mesmos personagens que os estão vivendo. E este é o único ponto fraco do longa, embora não deva incomodar muita gente. O filme acaba soando episódico. Temos o episódio do lançamento do Macintosh, o episódio do lançamento do Next e o episódio do lançamento do iMac, criando uma narrativa que se adequaria mais a uma série de televisão dividida em três partes. Soa estranho para o espectador que aquelas situações, que são praticamente consequências umas das outras, tenham ocorrido exatamente nestes três momentos e envolvendo sempre os mesmos personagens. Mas é um detalhe que em nada deve incomodar a experiência de quem assiste e muito menos que fique na sombra dos outros muitos méritos do longa.


Mostrar toda a genialidade de Steve Jobs ao mesmo tempo em que é mostrado toda a sua incapacidade de se relacionar com pessoas é algo que o longa realiza de maneira perfeita. Pequenos detalhes mostram as diversas características de Steve, como o perfeccionismo, o detalhismo, a arrogância, a indiferença em relação ao próximo e a energia com que defende suas ideias mesmo sabendo que não são as melhores, mas, sendo suas, estão sempre certas. E quando o espectador já está decidido a sair da sessão convicto que Steve Jobs era um canalha arrogante, o roteiro faz questão de quebrar qualquer pensamento negativo através de uma sequência em que o lado humano de Steve Jobs é realçado. Durante todo o filme o conflito dos aspectos máquina e homem de Steve é mostrado. Por mais que ele esbraveje contra seus subordinados e se mostre resoluto e irredutível sobre alguma decisão, uma atitude humana do personagem mostra o seu lado ‘frágil, que ele não faz questão de mostrar e às vezes até mesmo esconde. É uma construção de personagem interessante e dúbia, criando sentimentos contraditórios no espectador, que não sabe se ama ou odeia Steve Jobs no fim da sessão.

A trilha sonora do filme é sensacional, utilizando muito os temas em crescente na medida em que os diálogos entre os personagens ficam mais e mais tensos e na iminência de algum desastre acontecer. A direção de arte é eficaz, conseguindo retratar com perfeição duas décadas muito diferentes entre si, como as décadas de 80 e 90, sendo evidenciada no ambiente, na decoração e, o mais importante, na tecnologia utilizada. A fotografia brilha, com destaque para a sequência já citada anteriormente, que mostra o momento em que Steve Jobs é demitido da Apple, em um escritório, de noite, chovendo, em que todos os presentes são representados por figuras pretas sem distinção, com apenas o personagem e o seu ex-chefe John Sculley sendo mostrados. Os penteados e figurinos também ajudam a ambientar a história nas décadas em que a mesma é contada, sendo mais evidenciados nos personagens de Michael Fassbender e Kate Winslet.


Michael Fassbender é o grande astro do filme. Um dos melhores atores da sua geração, que consegue mergulhar de cabeça na maioria dos seus papéis, como em Shame (2011) e Prometheus (2012), Fassbender entrega uma perfomance enérgica, visceral e marcante, conseguindo dar cada nuance que o personagem precisa. O ator transita da arrogância para a quase ternura com facilidade, convencendo como Steve Jobs nas situações mais diferentes. Embora fisicamente o ator não se pareça com a figura que está sendo retratada, isto em nada compromete o seu trabalho. E mesmo no terceiro momento do filme, quando vemos Fassbender mais fisicamente parecido com Steve, é a interpretação do ator, primorosa e que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, que chama a atenção. Kate Winslet consegue entregar uma interpretação a altura de Fassbender, fazendo de Joanna a bússola moral de Steve, a parte mais humana do protagonista. A dedicação e o companheirismo que a personagem demonstra para com o criador da Apple é algo intenso e digno de reconhecimento, e Kate consegue transmitir tudo isso, sendo merecida a sua indicação como atriz coadjuvante ao Oscar. Seth Rogen talvez faça o seu primeiro papel não descartável na sua carreira, convencendo como o amigo de longa data de Steve Jobs. A confiança e o rancor que Steve Wozniak possui em relação a Steve Jobs são transmitidos de maneira eficiente pelo ator, fornecendo vários diálogos intensos e interessantes entre os dois personagens. Jeff Daniels está bem como a figura de pai e mentor de Steve Jobs. O ator começa sereno e com o decorrer do longa mais e mais vemos tudo que o personagem possui contra e a favor de Steve, além de uma leitura interessante que o personagem possui do protagonista e seus dramas de infância como o fato de sua adoção. Michael Stuhlbarg está eficiente no papel de um dos principais programadores da Apple, mas o ator consegue transformar seu pequeno papel em algo notável no último diálogo que o personagem possui com Steve. Katherine Waterston aparece pouco, mas consegue passar a perturbação da personagem, que sofre por Steve Jobs relutar em assumir a paternidade de sua filha com ele. Das três atrizes que interpretam Lisa em diferentes idades, Perla Haney-Jardine é que tem mais destaque. O confronto de ideias e rancores guardados que a personagem tem com o pai em público, pouco antes da apresentação do iMac, é tocante pela carga emocional que o conflito carrega, já que estamos vendo quase vinte anos de negligência e afastamento de Steve em relação à filha.

Com algumas frases que são feitas para aqueles fãs mais fervorosos da Apple (‘Logo vou colocar mil músicas no seu bolso.’), Steve Jobs possui um ritmo dinâmico, eletrizante e empolgante. Foi realizado como um exercício de conciliar boas interpretações com uma história que, embora episódica, cativa pela dinâmica dos personagens envolvidos. Acima de tudo Steve Jobs serve como um retrato de um homem de difícil convivência, mas que contribuiu imensamente para que nosso dia a dia fosse mais leve e conectado. 

Nota: 9,0

TRAILER


INFORMAÇÕES

Nota: 9,0

Titulo Original: Steve Jobs

Titulo Nacional: Steve Jobs
Direção: Danny Boyle
Duração: 122 Minutos 
Ano de Lançamento: 2015
Lançamento nos EUA: 09/10/2015
Lançamento no Brasil: 14/01/2016

Elenco: Michael Fassbender, Kate Winslet, Seth Rogen, Jeff Daniels, 
Michael Stuhlbarg, Mackenzie Moss, Ripley Sobo, Perla Haney-Jardine e Katherine Waterston. 




Derek Moraes